quarta-feira, 25 de abril de 2018

Collateral (Colateral) - O Vilão Faz-se de Consciência


Michael Mann é um realizador no mínimo curioso. A sua carreira é preenchida de clássicos do cinema moderno - Manhunter - Caçada ao Amanhecer (1986), O Último dos Moicanos (1992), Heat - Cidade Sob Pressão (1995), o Informador (1999) - e de filmes que vão desde o vulgar - Miami Vice (2006), Inimigos Públicos (2009), Blackhat - Ameaça na Rede (2015) - até ao concretamente mau - O Guardador do Mal (1983). No meio deste lote existe um thriller neo-noir, muitas vezes negligenciado, que é talvez o melhor estudo de carácter de personagens da filmografia do realizador: Colateral

Lançado em 2004, Colateral abre com Vincent (Tom Cruise) a chegar ao Aeroporto de Los Angeles. Vincent é um assassino contratado que está na cidade para eliminar alvos do seu mais recente "trabalho". Para isso recruta os serviços do ingénuo taxista Max (Jamie Foxx). Depois da primeira vitima de Vincent aterrar em cima do tejadilho do seu táxi, Max fica refém e é obrigado a conduzir Vincent ao longo da noite para que este possa concluir o seu contrato.


Colateral é mais que um simples filme sobre o confronto entre um assassino e um homem vulgar. É, acima de tudo, a construção de carácter entre dois homens, a sua conexão e dualidade ao longo de quase duas horas de intensidade trabalhada com mestria.
O argumento é da autoria de Stuart Beattie (Piratas da Caraíbas - A Maldição do Pérola Negra) e o foco no confronto entre Vincent e Max traz ao espectador uma construção sólida dos personagens à medida que a noite avança. Somos convidados a entrar na pele de Max, o herói da história, o homem vulgar que se vê de repente numa situação entre a vida e a morte em que tem de se adaptar se quiser sobreviver e parar Vincent.

Embora o assassino de Cruise seja em quase todos os aspectos frio e desprezível, não é de todo um vilão unidimensional. Pelo contrário, é profundamente humano e serve, por vezes, como uma voz da consciência de Max.
Vincent encara o seu trabalho como outro qualquer. Para ele, a vida humana é sobrevalorizada e questiona porque é que nos devíamos preocupar se uma pessoa desconhecida morre, quando não damos valor quando milhares de pessoas morrem por causa de atentados e guerras. Descobrimos um pouco mais do seu passado, à medida que se deixa revelar ao taxista.



Max, por sua vez, é trabalhador, metódico, tem orgulho em ser o melhor naquilo que faz. Mantém o seu táxi impecável e conhece a cidade como a palma das mãos e os seus horários.
Falta-lhe, no entanto, coragem. Coragem para perseguir os seus sonhos. Mantêm a sua ocupação há demasiado tempo e o objectivo de construir uma firma de limusinas não passa de um projecto na sua cabeça.

Aqui Vincent entra como um agente de consciência. Quando Foxx questiona a sua actividade e desrespeito pela vida humana, Cruise confronta-o com a sua passividade e o facto de nem ele nem grande parte das pessoas aproveitarem a vida da melhor maneira. E o filme providencia uma narrativa sólida que faz destes dois personagens pessoas profundamente humanas, embora um seja a antítese do outro.


Para além do confronto pessoal, esta obra intercala também sequências de acção muito bem construídas, onde Tom Cruise brilha tanto nas cenas com armas como nas de luta corpo-a-corpo. Destaque para uma cena de exterior num beco ("Hey, homie! Is that my briefcase?") e a sequência na discoteca muito bem trabalhada.
Com uma fotografia magistral, Michael Mann dá vida a uma Los Angeles nocturna como pouco se vê no cinema. A cidade é como um terceiro personagem que acompanha Vincent e Max ao longo da noite.

Destaque ainda para a decisão de filmar grande parte do filme em digital, em que a qualidade dá um sentido de hiperrealismo quase documental ao filme.
Com duas nomeações aos Óscar, incluindo para o taxista de Jamie Foxx, o filme conta ainda com Jada Pinkett Smith, Mark Rufallo, e Javier Bardem numa das suas primeiras incursões pelo cinema americano.

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