quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Woody Allen ou Porque é que gosto tanto do Vicky Cristina Barcelona - Especial Dia do Cinema

 hoje o André achou adequado falar no filme preferido dele, o T2, gosto comum para um bárbaro pouco desenvolvido como ele. Já que mas tarde ou mais cedo iria escrever sobre o Woody Allen, hoje pode muito bem ser o dia.
Com o tema comum das neuroses de americanos de classe média, das relações e do amor, todos os filmes do Woody Allen, mesmo que ele não actue neles, têm a sua "persona" nalguma
personagem. Com mais de 40 filmes filmes escritos e realizados, transpira dos seus filmes uma identidade própria. Os toques autorais são super definidos, muitas vezes a causa que faz um espectador criticar a obra de Woody Allen por falta de variedade. Se vais ver um filme do Woody Allen, vais ouvir Jazz. E vai ser um romance. E a vida das personagens vai estar entregue ao acaso. E elas vão ser depressivas. E questionam-se sobre qual é o sentido de tudo afinal. E fazem terapia.

O extraordinário sobre "Vicky Cristina Barcelona", e que me fez escrever sobre ele em particular, é que é o único filme em que ele divide essa personalidade em duas: Vicky, a mais calma, que analisa todas as situações até à exaustão e que procura as razões lógicas do quotidiano representa o Woody Allen excentrico, neurótico. Destaque para a actuação de Rebecca Hall que com os movimentos,as expressões faciais, a ligeira gaguez enquanto tenta explicar qualquer coisa faz mesmo pensar numa versão feminina dele.
Cristina que representa o "alter-ego" de Woody Allen: atrevida, apaixonada, com uma procura
constante de prazer epicurista que muitas vezes resulta em sofrimento e decepção.
Contrariamente ao que se possa pensar estas duas personagens são amigas simbolizando a maneira de como estes dois comportamentos paradoxais fazem parte da vida de todas as pessoas. Elas são a personagem principal.

Estas duas amigas, de passagens por Espanha, conhecem o pintor Juan Antonio (Javier Bardem), recentemente divorciado, que as convida para passar um fim de semana com ele. A partir daí Woody Allen leva-nos numa viagem por Espanha, não só nos Locais onde decorre a acção mas também na acção em si. A cultura espanhola e os ambientes latinos promovem as linhas da relacionamento entre cada uma das mulheres e ele. No entanto Juan Antonio nunca esquece Maria Helena, a perturbada ex-mulher (Penélope Cruz está brilhante enquanto ex-mulher do próprio marido, a química entre os dois é incrível), e a chegada dela à vida deste triângulo amoroso provoca ainda mais peripécias e dúvidas no coração de Juan Antonio.

Com o filme Woody Allen consegue divertir-nos e mostrar grandes pormenores da cidade de Barcelona. Os seus habitantes são as suas personagens clássicas,  que se tentam entender a elas próprias duma forma autêntica e contemporânea.

Terminator 2: Judgement Day (Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento) - Especial Dia do Cinema


Muitas pessoas me perguntam (bem, muitas não... cerca de 6, vá...) qual é o meu filme favorito. E a todas elas eu respondi e responderei, sem exitação, "Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento" (sim, com o nome completo e tudo!). E antes de começarem a julgar-me, não, eu não sou aquele típico enfardador de cinema de acção e efeitos visuais e que acha que os filmes mais intelectuais são bons para ferrar o olho. Eu gosto genuinamente de T2 (vamos chamar-lhe assim, já que somos tão íntimos) e orgulho-me disso. Passo a explicar:

T2 estreou em 1991, realizado por um fanático dos efeitos visuais que dava pelo nome de James Cameron (para os menos snobs aqui, é o tipo que fez o Titanic e o Avatar). Cameron, que se tinha estreado a trabalhar no cinema pela mão de Roger Corman (quem? Estudassem!), teve a oportunidade de realizar a sua primeira longa metragem quando Corman lhe entregou esse grande clássico do cinema coiso, Piranha II - O Peixe Vampiro, em 1981! Um filme tão bom que Cameron preferiu usar nos créditos o nome H. A. Milton! No entanto esse projecto deu-lhe algum espaço para concretizar um sonho seu (literalmente), em que, reza a lenda, James visionou uma caveira metálica que surgia das chamas. Prevenido como ele era, o jovem James agarra no seu bloco de mesinha-de-cabeceira e anota tudo o que tinha sonhado... Bem, para dizer a verdade, não sei se ele fez mesmo isso, mas suponho que o tenha feito, porque se for como eu, 30 segundos depois estava-se a esquecer de tudo o que sonhou e depois para me lembrar tá quieto! Mas a sério, qual é a coisa dos sonhos? Será assim tão difcil de nos lembrar-mos do que acabamos de ver? Anyway...


Como base nesse sonho, Cameron realiza então em 1984 o filme que lhe daria notabilidade, uma pequena obra de série B que dava pelo nome de Exterminador Implacável, um filme de baixo orçamento, que utilizava técnicas de miniaturas e stop-motion engenhosas para criar uma ambiente opressivo com um Schwarzenegger que encaixava como uma luva no papel de vilão monosilábico e que o projectaria para o estrelato. O filme dava uma visão negra do futuro, com as máquinas a destruirem a quase totalidade da Humanidade. Uma metáfora (por enquanto) da influência que a tecnologia assume na vida das pessoas. Se em 1984 era verdade, hoje ainda mais o é! Depois do sucesso de Terminator, Cameron foi convidado para realizar uma sequela para o clássico de sci-fi "Alien - O Oitavo Passageiro". O resultado foi "Aliens - O Recontro Final", que trocava o terror pela acção, mas que resultava exemplarmente bem e que hoje é considerado uma das melhores sequelas e filmes de acção de sempre.

Sempre interessado nas possibilidades visuais do cinema, Cameron lançaria em 1989 "O Abismo", onde pôde usar efeitos visuais até então revolucionários e que serviriam como uma espécie de aquecimento para o que viria depois. E esse depois seria T2.
Aperfeiçoando o que tinha aprendido e desenvolvido desde os tempos de Corman, James Cameron lança-se então numa sequela do bem sucessido Terminator, com um orçamento muito maior, e com um Schwarzenegger de volta, já com os estatuto de estrela, mas desta vez no papel de bom da fita. 


Quando vi pela primeira vez T2 foi na televisão. Deve ter sido por volta de 1993 ou 1994. Foi um filme que me saltou à vista por uma única coisa: os seus efeitos visuais. Ver o T-1000 passar de aspecto humano para metal líquido era como visualizar Deus num ecrã. Era a coisa mais fixe de sempre. Com o passar do tempo dei por mim a pensar "sabes o que faz falta na televisão? Mais Exterminador Implacável II - O Dia do Julgamento! A televisão devia passar mais Exterminador Implacável II - O Dia do Julgamento". A partir daí cada vez que T2 passava na RTP, eu via religiosamente e adorava cada pedaço explosivo daquele milagre da cinematografia. Foi o primeiro filme que eu compreendi inteiramente. Nascia assim O Meu Filme Favorito.

E sim, eu admito, tudo por causa dos efeitos visuais! Mas no meio disto tudo, considero-me um sortudo. T2 é o meu eleito porque teve tanto impacto em mim em criança, mas hoje olho para ele como o mesmo regozijo com que olhava para ele pela primeira vez. Terminator 2 é acima de tudo, um filme sólido, em que os efeitos visuais não envelheceram nem um bocado e que ainda hoje são mais convicentes do que muito CGI que se vê hoje em dia em mega produções. A história é concisa o suficiente (embora meta viagens no tempo pelo meio) para prender e convencer o espectador do inicio ao fim, a fotografia é uma pequena maravilha, Arnold Schwarzenegger no papel de T-101 é perfeito com o seu tom e sotaque, Edward Furlong é um convicente John Connor recém-adolescente e Robert Patrick encarna na perfeição o cyborg feito de metal liquido que é T-1000 e as sequências de acção são do melhor que já se fizeram até hoje no cinema (aquela perseguição de camião!). Sim, sou um sortudo por me ter fixado em T2 e não num monte de CGI mal amalgamado qualquer (cof, coftransformerscof, cof).
De realçar só que embora esteja interessante como curiosidade, é de evitar a versão extensa, uma vez que quebra muito do ritmo da acção, mas não deixa de ser essencial quando vista posteriormente à versão de cinema.


sábado, 17 de outubro de 2015

Thank You For Smoking (Obrigado Por Fumar) - O Privilégio de Fazer a Escolha Errada


E se de repente um filme nos desse um vilão que afinal é o herói da história? E se de repente esse filme nos dissesse que não deveriamos evitar uma coisa que nos faz mal? E se esse filme fosse tão inteligente a passar-nos essa mensagem que no final ficaríamos a torcer pelo mau da fita? Pois bem, esse filme é Thank You For Smoking!

Realizado em 2007 por Jason Reitman (Juno, Up In The Air), filho do realizador Ivan Reitman, Thank You... é a sua primeira longa metragem e apresenta-nos Nick Naylor (Aaron Eckhart), vice-presidente e porta-voz da Academia de Estudos do Tabaco, organismo manipulado pelas companhias tabagistas. O seu trabalho basicamente consiste em convencer as pessoas que a organização, encarregue de publicar estudos acerca dos efeitos do tabaco, não é a má da fita, e ele consegue-o como ninguém! No entanto, há pessoas que não vão nesta conversa e querem descredibilizar a companhia e os cigarros. Tal é o caso do Senador Finistirre (William H. Macy), que pretende colocar imagens-choque nos maços para evitar que o público os consuma.


Perante este cenário, poderiamos assumir que Nick seria um alvo naturalmente a abater e que o Senador seria o nosso herói. Tudo acabava como esperado e teríamos aqui mais um filme do que é bom a triunfar sobre o que é mau. Mas tal não acontece. Jason Reitman decide antes pegar naquilo que à partida seriam os pontos fracos de Nick e torná-los em fortes e vice-versa no caso do senador.

Nick é-nos apresentado como uma persongem sólida e, embora represente um mal público, o espectador nunca deixa de ter empatia por ele. Ele tem os seus principios e acredita que a educação para o que é mau ou bom deve começar em casa, na família, e não nos meios de comunicação social. Por sua vez, o Senador e os seus associados são-nos apresentados quase de um modo trocista e não nos convencem com os seus argumentos "só porque sim", apesar de à partida serem os "bons da fita.
O tom de comédia negra satírica está bem presente na película, e são lançadas farpas também a outros "males" da sociedade, tal como as armas, álcool, a pena de morte e até ao queijo (!).


O filme resulta tão bem porque ao espectador não é dada uma ideia pré-concebida do que se deve ou não fazer, mas sim uma opção. Nick personifica a liberdade de escolha consciente. Apesar de representar as companhias tabaqueiras, ele tem noção dos efeitos nefastos dos cigarros e admite-o publicamente. No entanto o que ele nos diz é que as pessoas não devem ser proíbidas de fumar por causa disso, mas sim terem liberdade de escolha, desde que informada, para tomarem as suas próprias decisões, seja elas boas ou más. E este filme consegue passar esta mensagem de forma concisa e divertida!

O filme conta ainda com Robert Duvall, Katie Holmes, Maria Bello, Adam Brody, Sam Elliot e Rob Lowe.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Son of Rambow - Um Novo Herói - A Metalinguagem Trocada por Miúdos


Um problema com a maioria dos filmes de miúdos é que não são para miúdos. São sim para adultos com o Q.I. de um pato depois de uma noite de copos. Os filmes com miúdos não dão dimensão humana às personagens. Os produtores parecem pensar que se as audiências desligarem o cérebero, o filme até é capaz de resultar. Mas não.

No entanto, ocasionalmente, surge um filme com miúdos que é apropriado para miúdos (maiores de 12, vá!), porque resolve fazer das personagens seres humanos, com problemas e defeitos. É neste contexto que surge Son of Rambow - Um Novo Herói.

Realizado em 2007 por Garth Jennings, responsável pela versão cinematográfica de The Hitchhiker's Guide to the Galaxy (2005), mas principalmente ligado à realização de videoclips entre os quais o engenoso Imitation of Life dos R.E.M., Son of Rambow apresenta-nos a história de Will Proudfoot (Bill Milner), um miúdo de uma família ligada profundamente à religião (Igreja de Plymouth Brethren), nos anos 80, mais precisamente em 1982. Uma das doutrinas administradas é a total proibição de tecnologia passível de contaminar mentes, tais como televisão e cinema. Como tal, Will cresce sem influência externa destes meios. No entanto a sua imaginação não fica confinada por isso, e a bíblia que sempre o acompanha serve de tela onde Will expressa a sua criatividade através de desenhos coloridos. Isto até conhecer Lee Carter (Will Poulter), um jovem problemático, pouco mais velho que Will, que vê no nosso herói uma fonte de ingenuidade e um meio de conseguir um objectivo: fazer um filme para um concurso televisivo. A partir daqui a sua vida muda quando, acidentalmente, assiste ao filme First Blood.


Son of Rambow foge ao preconceito clássico do filme de miúdos e presenteia-nos com uma complexa história de amizade, com muito humor, não esquecendo o lado humano das personagens.
Will é uma criança cujo potencial é limitado pelas tradições, mas que se revela depois de ver o filme. Lee Carter, que à primeira vista é o típico bully problemático, tem no entanto problemas familiares, com uma mãe ausente e um irmão que o despreza, mas a quem ele faz tudo para agradar. Aqui entra também a abordagem da aceitação social. Will, devido à sua religião e suas limitações é inicialmente posto de parte pelos seus pares, mas ganha popularidade quando o filme começa a ganhar notariedade. Lee Carter, por sua vez, é solitário tanto por opção como por rejeição, mas luta por ganhar a aceitação do irmão e sente-se excluido quando Will é preferido pelos jovens. Até a mãe de Will tem de lutar com a aceitação do seu grupo religioso e com as consequências que surgem se a sua família não respeitar as regras. Didier (Jules Sitruk), um jovem Francês de intercâmbio é tratado como um ídolo pelos estudantes ingleses, apresentando-se como uma carícatura do jovem "fixe" que todos invejam e que olha com desprezo para todos.


O filme é profundamente metalinguístico, com as duas crianças a tentarem realizar o filme com os meios limitados que têm, basicamente uma câmara e o ambiente que os rodeia, e é também uma homenagem a First Blood e ao poder criativo do cinema. Mas é sobretudo uma reflexão de que a amizade pode superar o preconceito.

O filme conta com Jessica Hynes (da série Spaced e Shaun of the Dead) no papel da mãe de Will, e com pequenas aparições de Adam Buxton e do realizador Edgar Wright (Shaun of..., Hot Fuzz, The World's End e Scoot Pilgrim Vs. The World).

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

The Graduate (A Primeira Noite) - O Problema De Ser Rebelde


Em 1967 vivia-se um periodo de mudança em Hollywood. Os filmes clássicos já não davam dinheiro e, como forma de contornar este problema, os estúdios começaram a trazer temas que antes eram tabú para o grande ecrã. É nesta altura que surgem alguns filmes que fariam a base para aquilo que viria a ser a Nova Hollywood, tal como Bonnie e Clyde, O Cowboy da Meia-Noite e este A Primeira Noite, de Mike Nichols.

Baseado no romance de Charles Webb, A Primeira Noite apresenta-nos Benjamin Braddock (Dustin Hoffman), um jovem recém-saído da Universidade, que por esta altura ainda não sabe muito bem que rumo dar à sua vida. No entanto, a sua monótona existência é abalada por uma amiga dos seus pais, Mrs. Robinson (Anne Brancroft), que seduz Ben e os dois acabam por ter um breve romance. Tudo isto se torna ainda mais estranho quando Ben se apaixona pela filha dos Robinson, Elaine (Katharine Ross) e tem de lidar com a sua ex-amante que o proíbe de se aproximar da filha.


Feito numa altura de revolução cultural e de costumes, The Graduate é uma aguçada crítica à hipocrisia da moral Norte-Americana e à diferença de gerações. No entanto é também uma reflexão sobre rebeldia e as consequências dos seus actos.
Ben é um ser inadaptado quando regresssa a casa e se vê rodeado pelos seus pais e amigos. O mundo que os seus familiares idealizaram para ele, é totalmente indiferente para Ben, que se sente como um peixe fora de água. Ou melhor, como um humano dentro de água, respresentado pelos planos submarinos de Benjamin.
Quando Mrs. Robinson seduz Ben, embora relutante no inicio, o jovem vê aqui uma oportunidade de quebrar a rotina e fazer algo excitante e perigoso: um acto rebelde. Ao longo da relação do par, a mulher revela-nos um pouco da sua vida e do seu casamento infeliz. Ficamos a saber que ela casou porque ficou grávida durante o namoro e, embora nunca tenha sido realmente feliz, o divórcio era uma coisa impensável para a época e para um casal de tal estatuto. E aqui temos então um olhar pela hipocrisia dos bons costumes. As gerações mais velhas recusam-se a quebrar as regras publicamente, mas na intimidade acabam por fazê-lo ou por querer fazê-lo.


No entanto, à primeira vista, embora o filme pareça um retrato simplista do acto rebelde contra a sociedade convencional, se o espectador prestar atenção, descobre que pode não ser bem assim.
Ben começa o caso com Mrs. Robinson porque é proíbido. Ben e Elaine apaixonam-se e acabam por fugir no final porque estão a ir contra a vontade dos seus pais e da sociedade. Os dois acabam assim felizes para sempre. Ou não será bem assim?
O filme é acompanhado por uma banda sonora servida por Simon & Garfunkel que criaram a música Mrs. Robinson para a película. The Sound of Silence, muito bem aproveitada, é tocada em três ocasiões cruciais: no inicio, quando Ben regressa a casa; durante a relação de Ben com Mrs. Robinson e no final, quando Elaine e Ben fogem juntos num autocarro. Nestas ocasiões, a música não aparece por acaso. Aparece sempre quando Ben está a reflectir sobre a suas opções. No incio, o que há-de fazer da sua vida, na segunda vez, se aquilo que está a fazer com a amiga dos seus pais é correcto e no final. Mas porquê no final?
Ben e Elaine, ao entrarem no autocarro, dão inicio ao que pode ser o primeiro dia de uma vida feliz... ou não. O filme é todo ele resumido nos planos finais do par de fugitivos. A cara dos dois passa da felicidade resultante da emoção do acto de rebeldia para uma espressão mais séria e ponderativa. Daí The Sound of Silence.

Só depois de fugirem é que os dois jovens reflectem naquilo que acabaram de fazer e que talvez não tenha sido tão boa ideia, só porque era contra as regras. E isso aplica-se facilmente à vida real. Só porque é acto de rebeldia, não significa que seja bom. Às vezes é bom ponderar antes de agir.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Ex Machina e as três leis de Asim--Garland



Alex Garland, argumentista responsável por 28 Dias Depois de Danny Boyle ou Dredd, criou, neste que é também o seu primeiro projecto enquanto realizador, um filme inteligente e fresco no género da ficção científica. O cineasta britânico deixa de parte os lugares-comuns dos blockbusters contemporâneos e foca-se nas relações entre os seus personagens e nas implicações morais e éticas de criar uma Inteligência Artificial.

Ganhando um concurso aleatório na empresa onde trabalha, a maior distribuidora de Internet do mundo, Caleb é convidado a passar uma semana na isolada e futurista residência do enigmático patrão. Nathan explica-lhe que a visita de Caleb não é puramente social mas que, durante aquela semana, irá testar Ava, um modelo robótico feminino com uma Inteligência Artificial que ele próprio desenvolveu e avaliar se esta possui as características que transcendem a simples programação.
A partir daí, e ao longo de sete sessões separadas por títulos, assistimos ao adensar da relação entre Caleb e Ava, e tal com ele somos cada vez mais surpreendidos pela personalidade de Ava e pela sua forma de olhar o mundo.

O trio de actores está muito competente: Domhnall Gleeson enquanto o jovem e tímido programador que descobre uma verdade maior do que a que julgava existir, Oscar Isaac prova que é um dos actores mais promissores desta geração ao ser o igualmente carismático e misterioso milionário Nathan mas é a menos conhecida Alicia Vikander que surpreende como a face (e mais tarde a totalidade do corpo OH YEAH FRONTAL NUDE) de Ava e mostrando uma personagem que cresce e se torna subtilmente mais complexa com o desenrolar da narrativa. Alex Garland cria diálogos ricos entre estas personagens, quer sejam pela componente filosófica da premissa do filme no caso das sessões-teste entre Caleb e Ava ou algo desconcertantes entre Nathan e Caleb e que contribuem para o aumento do clima de tensão entre os dois homens. Os seus motivos e ambições são gradualmente revelados até ao clímax, insinuado de forma inteligente em cenas anteriores.

Ex Machina levanta a questão da possibilidade de conceber uma Inteligência Artificial, mas vai mais longe, põe em causa a verdadeira natureza do homem quando tem à sua disponibilidade os meios para criar vida.

domingo, 21 de junho de 2015

It's All Gone Pete Tong - O Som Como Elemento Visual


"It's All Gone Pete Tong", realizado em 2004 pelo Canadiano Michael Dowse, é um pequeno filme independente baseado numa história real que nunca existiu. Apresentado como uma história verídica, "It's all Gone..." é uma comédia dramática com elementos de mockumentary, que retrata a carreira de Frankie Wilde (Paul Kaye, o Thoros of Myr de Game of Thrones), um famoso DJ no pico da sua actividade, que tem especial sucesso nos clubes de Ibiza, que é como um ambiente natural para ele. Devido ao excesso de barulho injectado directamente nos ouvidos (e drogas pelo nariz acima), Frankie começa a ficar parcialmente surdo e, eventualmente acaba por perder totalmente a audição. Como consequência, a sua carreira acaba, assim como a sua vida social. Isto até conhecer Penelope Garcia (a portuguesa Beatriz Batarda), uma espanhola, surda, que sabe ler lábios em Inglês (quais são as hipóteses disso acontecer?) e que parece ser o único elemento de uma organização que ajuda surdos a aprender a ler lábios (!!!).

O filme é uma sátira convencional, mas ao mesmo tempo brilhante da vida de uma estrela, com todos os clichés a que pode ter direito. Frankie é famoso, rico, viciado em cocaína, tem as mulheres que quer e que o seu agente faz questão de providenciar e acaba por se casar com uma supermodelo, que não deve muito à inteligência, fresca, que não o ama, mas que é sempre útil para manter aparências. Com a nova esposa vem incluído o seu filho, negro, fruto de uma relação (sexual) com o promotor de Frank. Tudo isto é apresentado de maneira descontraída e divertida, mas com credibilidade suficiente para nos convencer que o que estamos a ver poderia ter realmente acontecido. Pelo meio o protagonista tem ainda de lutar (literalmente) com demónios internos, nomeadamente o vício, representado por uma doninha antropomórfica!



No entanto, onde o filme realmente triunfa, é no manuseamento do som como elemento visual complementar. Sem contar com um pequeno flash-foward, o filme abre com Frankie a ser entrevistado em Ibiza. Logo aí, o DJ começa a mostrar sinais de surdez ao não conseguir entender completamente as perguntas da entrevistadora. Um avião passa directamente por cima das personagens e o seu som abafa os sons humanos, como que um sinal do que vem aí.
A primeira vez que Frankie nota que a sua audição está afectada, é no conforto de sua casa, quando está a ver um jogo de futebol. O sinal de surdez é-nos dado pelo zumbido continuo no ouvido direito de Frank. Quando isto acontece, a imagem da televisão que até aqui era clara, tanto para o personagem, como para o espectador, fica desfocada. Surge aqui uma complementação do som e imagem que guia o público para a mente da personagem.

A partir daqui, o realizador dá-nos um filme em que, tal como o protagonista, o espectador é convidado a tirar partido dos elementos visuais onde o som escasseia ou simplesmente não existe. Em momentos particulares, o público experiência a surdez da personagem, mas só quando é essencial para nos pormos na pele do DJ. Quando Frankie conhece Penelope e aprende a maximizar os seus restantes sentidos activos, é possível visualizar o som através de vibrações e, mais tarde através de linhas de amplitude sonora. Por outro lado, é possível também visualizar o silêncio no movimento labial das personagens, quer seja uma coisa importante, onde Frankie se esforça por entender o que lhe é dito, quer seja uma mensagem inútil, onde Frankie decide fechar os olhos e assim deixar de "ouvir" e onde o espectador é deixado com o movimento labial das personagens, sem sonoridade, representando a inutilidade das palavras proferidas.


O filme esforça-se para dar credibilidade à história, apresentando até pequenos excertos de entrevistas com famosos DJ's como Carl Cox, Tiesto, Paul Van Dyk ou Lol Hammond, todos a dar o seu testemunho sobre a lenda que era Frankie Wilde e a influência que teve para a música electrónica. A obra conta também com um cameo de Pete Tong, que também produziu o filme.
Um pequeno filme, bastante divertido, mas competente, que vale a pena ver!

sábado, 18 de abril de 2015

Equilibrium - A Multidimensionalidade do Sentimento

           

Parece haver nos filmes de acção um hábito de pôr a profundidade e o carácter das personagens em segundo plano e dar prioridade às sequências vistosas de luta, explosões e tiroteios de encher o olho. Não é de admirar portanto que, embora o público não diga que não, é esse lote de filmes que geralmente não caiem nas graças dos críticos. No entanto, de tempos a tempos surge uma obra que resolve dar características humanas às personagens e dotá-los de, espante-se, sentimentos. Equilibrium é um filme que se enquadra no primeiro caso, mas invulgarmente também se enquadra no segundo. Realizado por Kurt Wimmer, que antes deste filme (e depois também) tinha no seu curriculum um punhado de argumentos de filmes medicores, Equilibrium supera tudo o que o seu autor fez e roça a genialidade.

No futuro, num mundo pós 3ª Guerra Mundial, a humanidade é quase completamente dizimada em resultado do conflito. Para evitar uma 4ª Guerra e consequente extermínio total da raça humana, cria-se um governo totalitário, numa nação unificada (onde aparentemente todos aprendem a falar Inglês) e com um líder supremo: o Pai. Cria-se então uma substância (Prozium) que, quando injectada diariamente, erradica a fonte de todo o mal: os sentimentos.


 Não se enganem, Equilibrium é um filme de acção, com cenas “over-the-top”, mas trata a questão dos sentimentos e liberdade de expressão de uma forma tão cuidadosa que conseguimos realmente apreciar as sequências de luta sem ter de desligar o cérebro. Numa sociedade onde o pensamento livre é uma ameaça e com a existência de uma força especial, os Clerics, que procuram e aniquilam pessoas que sentem, o filme é uma clara referência a regimes ditatoriais, onde a liberdade é uma ameaça. Para além disso existem também referêcias religiosas, com o “Pai” a ser uma figura divina para todo o mundo, mas que nunca ninguém viu pessoalmente.

Mas o brilhantismo de Equilibrium não está realmente nestas mensagens, mas sim na forma como são tratados os sentimentos. Wimmer podia muito bem ter feito um filme genérico onde a supressão dos sentimentos poderia significar simplesmente que um indivíduo deixa de sentir amor, ódio, tristeza, alegria... Mas não é assim tão simples. Quando uma pessoa deixa de sentir, as sensações visuais, auditivas, sensoriais e tácteis também desaparecem. Os individuos, totalmente desprovidos de sentimentos, são como robôs, autómatos, sem conseguir dar valor ás pequenas coisas que os rodeiam. E é nestas pequenas coisas que se vê a multidimensionalidade dos sentimentos. Para prevenir uma estimulação externa do sentir, são abolidas as cores: o mundo que rodeia as personagens é totalmente preto, branco e cinzento; a música é abolida e até obras de arte como quadros são destruidos. Naquela que é talvez uma das melhores cenas da história do cinema (não, não estou a exagerar), o Cleric John Preston (Christian Bale), depois de ter falhado a sua dose diária de Prozium, começa a sentir e levanta-se atormentado por pesadelos da sua vida passada. Quando Preston vê o Sol a nascer através da sua janela, a luz que atravessa o plástico opaco, insurge-o a removê-lo e pode finalmente, juntamente com o espectador, apreciar o nascer do Sol e sentir o seu calor no seu corpo. E nós sentimo-lo também.


Pequenas coisas como as cores naturais nas caras dos personagens que sentem e o cinzento pálido nas que não possuem sentimentos, o cuidado com que a mulher de Preston dobra a roupa do seu marido, significando que ela o ama, o passar de mão pelo corrimão de metal frio para o poder sentir, a primeira vez que Preston chora ao ouvir Beethoven, as pequenas pistas que o personagem de Sean Bean – e sim, ele morre! – nos dá antes de ser desmascarado, tudo isto fazem de Equilibrium um filme que deve ser visto e revisto. Uma obra que foi um verdadeiro fracasso de bilheteira, mas que foi ganhando alguma notabilidade depois de ter sido lançado em DVD.