sábado, 18 de março de 2017

Eternal Sunshine of the Spotless Mind (O Despertar da Mente) - A Reverberação da Memória


Charlie Kaufman é um mago. Com 7 argumentos a seu cargo para longas-metragens, mais um telefilme e um punhado de episódios de séries, as suas obras primam pela originalidade e pela implausibilidade da narrativa, resultando no entanto em histórias que funcionam e cativam o espectador. É, talvez, o único nome da escrita actual que assume um papel mais importante que o do realizador. Depois de três filmes improváveis com duas nomeações aos Óscar pelo meio, Kaufman surge, em 2004, com Eternal Sunshine of the Spotless Mind, escrito em colaboração com o realizador Michel Gondry e Pierre Bismuth e que desta vez lhe garantiu a estatueta dourada.

Eternal Sunshine... é um bizarro drama que nos apresenta Joel Barish (um Jim Carrey fora do seu registo cómico habitual), um homem que, após ficar a saber que a sua ex-namorada Clementine (Kate Winslet) se submeteu a um procedimento neurológico para o apagar completamente da sua memória, decide também fazer o mesmo. No entanto, o procedimento revela-se mais complicado do que Joel esperava pois, há medida que os momentos a dois são apagados da sua memória, Joel apercebe-se que a sua relação não foi só feita de coisas más, mas principalmente de coisas boas e que também esses momentos serão apagados.


Eternal Sunshine... é uma obra exímia que resulta da colaboração de dois mestres do oficio: Charlie Kaufman na escrita e o francês Michel Gondry, realizador de videoclips de artistas como The Chemical Brothers, Bjork, Daft Punk, Beck, The Rolling Stones entre muitos outros, perito na arte da transformação visual recorrendo sobretudo a truques de perspectiva, ângulos de câmara e montagem. E Gondry usa a mente de Joel como uma montra de exposição para as suas criações. O cenário que se desintegra à medida que a sua memória é apagada, livros que ficam (literalmente) em branco numa livraria à medida que os dois protagonistas conversam ou recordações de infância com um Jim Carrey do tamanho de uma criança com Kate Winslet no mesmo plano (uma explicação mais detalhada da Cláudia Moreira), tudo isto é um autêntico festim para os olhos e para a mente.

Existe uma plena humanização dos personagens, numa história que é, no fundo, implausível! Joel e Clementine não são perfeitos e ao espectador não é atribuído um culpado para o fim da relação. Isso não é importante. O que é importante sim, é o nível de arrependimento que Joel sente ao se aperceber do erro que fez ao decidir apagar Clementine. Uma maneira superba de demonstrar que das nossas recordações fazem parte boas e más memórias e temos que aceitar ambas. E nós vivenciamo-lo desde o interior da mente de Joel, espiando até ao seu mais íntimo pormenor.


É também forte a mensagem que nos é passada de que as relações não são apenas feitas de bons momentos. As discussões, as diferenças de opinião, a descoberta de defeitos um no outro, tudo isto é comum numa vida a dois e, por vezes é preciso trabalhar e fazer cedências para que a relação resulte, não apenas esperar que tudo seja perfeito. Uma realidade realçada pelas sequências finais do filme.

Para além disso, Charlie Kaufman recorre aos instintos de afinidade do ser humano (se tal coisa existe). Após ambos terem a memória apagada um do outros, Joel e Clementine voltam a encontrar-se e voltam a "clicar" e iniciam nova relação, como anteriormente. Por sua vez, logo após o apagamento da memória de Clementine, esta inicia uma relação com um funcionário da clínica (Elijah  Wood) e a coisa não corre bem... A recepcionista da clínica (Kirsten Dunst), que teve anteriormente um affair com o doutor responsável pelo procedimento (Tom Wilkinson), volta a apaixonar-se pelo médico, apesar de ter sido sujeita também ao procedimento para o esquecer. Uma mensagem da persistência da memória que, no nosso subconsciente, uma pessoa marcante há-de sempre lá residir.


O filme joga também com as cores (do cabelo de Clementine) como simbolismo do estado da relação e do seu estado de espírito.
Do elenco faz parte também Mark Ruffalo e David Cross (Arrested Development).